14 milhões... e 300 mil
HÁ MUITO que se sabia que o mito dos 6 milhões de adeptos benfiquistas em Portugal era uma ficção. Ao longo das últimas décadas foram várias as sondagens e estudos de opinião que colocaram bem mais abaixo o volume de apoiantes do clube da Luz. Mas, à força de tanto ser repetida a efabulação dos 6 milhões, ela acabou por se tornar, para os mais crentes ou ingénuos, uma realidade (ainda que virtual). Quando não mesmo um dogma inquestionável.
Afinal, agora é o próprio Benfica a desmentir a invenção dos 6 milhões. Tendo, porventura, a noção de que certos exageros são insustentáveis a prazo e de que algumas ilusões, além de efémeras, acabam por se tornar contraproducentes. Assim sendo e de acordo com uma sondagem divulgada oficialmente, há poucas semanas, pela direcção da Luz, mais de metade dos portugueses não simpatiza com o Benfica, pois os adeptos da águia em Portugal não chegam sequer aos 5 milhões.
Ou seja, a história dos 6 milhões, assumem-no os dirigentes do próprio clube, não passou de uma quimera. Insistentemente propalada aos quatro ventos, interiorizada por muitos como verdade oficial, utilizada como último e definitivo argumento em momentos de crise ou infortúnio - mas, em qualquer circunstância, uma fantasia.
OS DADOS apresentados pelo Benfica indicam que o clube tem 4.752.354 adeptos em Portugal. Uma estimativa, reconheça-se, bem abaixo dos utópicos 6 milhões. E que se aproxima já da média de vários estudos e sondagens sobre esta matéria, que aponta para números à volta dos 4,4 milhões de simpatizantes para o Benfica, 3,3 milhões para o Sporting e 2,2 milhões para o FC Porto.
Mas o estudo encomendado pelo Benfica, supõe-se que da empresa Aximage, não podendo confirmar, longe disso, os tais 6 milhões, dispara para outras alturas e direcções. E descobre que há, no mundo, nada mais nada menos do que... 14 milhões de benfiquistas!
Se, em Portugal, não chegam aos 5 milhões, essa penosa redução do contingente de adeptos é compensada com reforços prodigiosos fora de portas: quase 4 milhões de benfiquistas em Moçambique, perto de 3 milhões em Angola ou meio milhão só no Canadá. Sem esquecer os 153.584 benfiquistas encontrados na África do Sul, os 116.790 residentes na Indochina ou os 5.699 que foram descobertos ao sol das Caraíbas. Tudo somado, e contando com os quase 100 mil seguidores da causa benfiquista em terras tão improváveis como a China ou a Austrália, dá mais de 14 milhões.
SEM querer desmerecer da boa vontade do estudo, vale a pena atentar com mais vagar e atenção nalguns números. Em Moçambique, por exemplo, existirão 3.803.123 benfiquistas (e 123 porquê? de onde virá tamanha exactidão? a sondagem for feita pelo telefone? em urna fechada? Mistérios...). Ora, isso significa que mais de 20% de toda a população moçambicana é benfiquista. Uma falange de adeptos que deve fazer inveja ao Ferroviário de Nampula, ao Desportivo do Maputo ou ao Maxaquene, campeões moçambicanos que nem um terço desses adeptos podem apresentar como cartão de visita.
O mesmo se passa em Angola, onde o Petro de Luanda, o 1º de Agosto, o Sporting de Cabinda ou, para não ir mais longe, o Benfica do Lubango se vêem impotentes perante a multidão de 2.784.202 (e 2? porquê 2?) adeptos de Karadas e do clube lisboeta. Outra curiosidade: na China há mais torcedores do Benfica, 76.168 para ser preciso, do que nos Açores. Um montante que impressionará até clubes chineses de topo como o Xangai Xenhua, o Liaoning ou o Sichuan. E, sempre seguindo à letra o estudo do Benfica, os adeptos do clube na longínqua Indochina ultrapassam, para surpresa geral, os benfiquistas da portuguesa Madeira.
Tão imprevisto como os mais de 116 mil adeptos do Benfica que é possível identificar entre os habitantes do Vietname, do Laos ou do Cambodja só a tendência para a aglomeração de benfiquistas em luxuosas zonas turísticas: são 5.699 os adeptos espalhados pelos mares das Caraíbas e 81.559 os que se contaram dispersos pelas belas paisagens e montanhas do Tirol.
Mesmo não contabilizando a Islândia, uma falta imperdoável neste estudo, assim se chega aos tais 14 milhões. Que, com a contribuição da claque islandesa, omitida por lapso ou negligência, subiria certamente aos 15 milhões
TÃO curiosa e não menos megalómana do que este estudo à escala planetária é a campanha dos «kits» de novos sócios. Que Luís Filipe Vieira começou por exigir que chegassem ao meio milhão. Baixou, depois, a fasquia para 300 mil novos sócios. E, logo de seguida, para 300 mil sócios no total, ou seja, os novos sócios apenas têm que duplicar os já existentes, basta vender um pouco mais de 200 mil «kits».
Até Outubro. Porque, assegurou o presidente do Benfica, «se isso não acontecer é porque os benfiquistas não concordam com o meu projecto, significa que os sócios entenderam que a minha missão terminou. E nesse caso termina mesmo» em Outubro. A venda de «kits», no entanto, parece longe de corresponder a tão gigantescas expectativas. Apesar de, por 55 euros, os «kits» darem direito a descontos imperdíveis, a presenciar dois dos 17 jogos do campeonato e a continuar a pagar quotas todos os meses. Veremos, dentro de seis meses ou um ano, a taxa de sobrevivência dos novos sócios-«kit».
Luís Filipe Vieira, por seu lado, parece já arrependido do que disse. E pondera seriamente a hipótese de não cumprir a promessa de sair em Outubro. Não é com tanta ligeireza que se abandona a liderança de uma instituição que tem 14 milhões de adeptos. E que, feitas bem as contas aos «kits», não ficará muito aquém dos 300 mil associados.
in Canto Directo - A BOLA - 06.07.05